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Entrevista a Kumar Mehta:

POVINDAR KUMAR MEHTA

Engenheiro químico por formação na Universidade de Delhi (Índia), o especialista indiano é mestre na Universidade Estadual da Carolina do Norte e doutor em Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Professor Emeritus em Engenharia Civil na Universidade de Berkeley, Mehta se aposentou em 1993 após lecionar durante 30 anos sobre betão. Em 2006, as suas décadas de pesquisa na utilização de cinzas volantes no betão foram reconhecidas pelo Coal Combustion Products Partnership. É também membro honorário do ACI (American Concrete Institute) e Ibracon (Instituto Brasileiro do Concreto).

O aquecimento global deve-se em grande parte à emissão de CO2. Na indústria do betão, 90% da emissão de carbono ocorre nos fornos que queimam o clínquer. É assim que Povindar Kumar Mehta, professor da Universidade de Berkeley (USA), tenta convencer o sector da construção a repensar a fórmula e o próprio uso do betão. Mehta realizou palestras no 50º Congresso Brasileiro do Betão e também na Poli-USP (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo) sobre o tema "A Glimpse into SustainableTernary-blended Cements of the Future". A sua proposta inclui a atuação em três frentes, mas que têm uma palavra em comum: redução. Mehta defende que se consuma menos betão nas novas estruturas, menos cimento nas misturas para betão e pouco clínquer para produzir o cimento. Segundo Mehta, cerca de 50% a 70% da massa de clínquer presente no cimento Portland pode ser substituída por diversos materiais complementares. Entre os exemplos estão as cinzas volantes, pozolanas naturais e cinzas de casca de arroz. O especialista propõe que pelo menos dois desses materiais sejam utilizados de forma complementar ao clínquer, substituindo 40% em massa. Durante o Congresso, organizado pelo Ibracon (Instituto Brasileiro do Concreto), o indiano lançou a terceira edição do livro "Concreto: Microestrutura, Propriedades e Materiais". O brasileiro Paulo Monteiro, que também leciona na faculdade norte-americana, é novamente co-autor do livro. A edição recebeu novos capítulos e um CD com vídeos e outras informações.

Uma das suas propostas para uma construção mais sustentável é reduzir o consumo de betão, do cimento e diminuição do clínquer no último. Os profissionais e a indústria estão preparados para essa mudança?
Eu não considero que haja resistência por parte dos arquitetos, engenheiros ou qualquer profissional dessas áreas. Esses aceitam bem a redução do betão, do cimento e do clínquer no próprio cimento. O problema está na indústria do betão, que teme mudanças. Ela está acostumada ao crescimento e aos paradigmas actuais. Para não afectar isso, a indústria apóia o desenvolvimento de edifícios sustentáveis, que estão em toda parte, mas é preciso, também, estender a questão ao consumo de cimento.

Como espera alcançar esse betão mais sustentável?
Os edifícios ecológicos estão a empregar soluções que utilizam aspectos naturais para aquecimento, ventilação, iluminação e estão reduzindo o consumo de energia, por exemplo. Entretanto, é necessário estender esse conceito para os materiais ecológicos. Precisamos de convencer, de forma maciça, os arquitectos e projectistas a utilizarem materiais e soluções ecológicas nos seus projetos. São eles que especificam os detalhes dos projetos e que movem a indústria. São eles que movem também a indústria do betão. Quer gostem ou não, os fabricantes deverão obter soluções mais sustentáveis para o betão. É a mão que balança o berço, é assim que funciona. Enquanto isso, eles vão dizer que essa tecnologia "ainda não existe". É uma maneira de confundir. Não é necessário mudar nada. São como as pessoas que querem votar em McCain e não em Obama, porque têm medo de mudanças. O cenário do status quo está muito ruim, mas eles têm medo de mudanças. Há todo tipo de desculpas. Por exemplo, a administração do presidente Bush não assinou o Protocolo de Kyoto. Só que o país é responsável por 25% das emissões de carbono. Qual a razão disso? Algumas pessoas lucram com o status quo e há aquelas que têm medo de mudar. Só que em longo prazo, estão se a tornar um obstáculo. Outro exemplo é que McCain deve ganhar as eleições. Só que não por mérito, mas pelo receio de muitas pessoas de mudar certas questões. O medo é muito poderoso.

O betão auto-adensável ainda é uma tecnologia onerosa no Brasil. Os seus estudos indicam uma solução com os mesmos benefícios técnicos e mais barata?
Não considero o betão auto-adensável mais caro. Recentemente, a estrutura de um templo na Índia foi totalmente executada com auto-adensável. Foram lançados 8.200 m³/h, um grande volume de betão com cinzas volantes. Não houve custos extras, não foi acrescentado nenhum aditivo modificador de viscosidade. Portanto, dizer que o betão auto-adensável é muito caro é porque os vendedores querem promover seu aditivo modificador de viscosidade. Eles querem vender aditivos. Só que isso não é necessário com um volume alto de cinzas volantes no sistema. Assim, temos o que se pode chamar de sistema quase auto-adensável. Nessa obra, o betão foi lançado durante 12 horas, sem parar. Isso só foi possível porque o betão flui e se auto-adensa.

No Brasil, é facto que o betão auto-adensável é mais caro. Talvez isso esteja ligado à abordagem feita à dosagem. Para partículas mais finas, coloca-se mais cimento. A maioria das combinações e dos materiais combinantes estão relacionados ao insumo. O módulo de deformação é muito baixo, o pico de hidratação é muito alto e às vezes não funciona. Há estruturas que foram executadas com 800 kg de cimento, sendo 70% de escória.
Ah, meu Deus! Nunca executaríamos nesses parâmetros. Ainda assim são 560 kg de escória. Para as muitas estruturas que projectei, nunca especifiquei mais do que 200 kg. Nunca.

Qual a sua visão sobre o LEED na questão do betão?
Estou a tentar dizer ao pessoal do LEED que deveriam ir direto à questão da emissão de carbono. Essa opção seria bem mais eficiente ambientalmente, há o foco de quantidade no LEED. Por exemplo, é possível reduzir de 20% a 25% o teor de cimento com o uso de superplastificante. Essa questão não é valorizada pela certificação. Se um edifício economizou 2.000 t de emissões de carbono, qual o problema de ser pontuado no LEED? É uma questão global, actual, que deveria ser pensada.

Aumentar a produtividade do betão no canteiro é uma preocupação do sector. Qual a sua recomendação para isso?
O betão é pesado para transportar, nisso alguém decide colocar mais água ou cimento. Logo surgem as fissuras, é necessário consertar. Só que a adição de materiais complementares ao cimento Portland aumenta a trabalhabilidade do material, que é um dos problemas mais comuns nos canteiros. Os processos envolvendo o betão são simples. Não é necessária uma mão-de-obra especializada para vibração e consolidação. Também não vejo impacto algum para introduzir tecnologias sustentáveis. Os responsáveis e os operários necessitam ter consciência do processo da cura. Quando o betão padrão está adensado, é preciso esperar antes de fazer qualquer acabamento na superfície e que a água evapore. Há casos em que os operários ficam até mesmo cinco horas a aguardar sentados e perde-se a produtividade. Só que se não há exsudação, já é possível começar o acabamento após o lançamento. Isso é possível com o uso de 5% de microssílica, 10% de pó de calcário. Essas tecnologias ajudam os trabalhadores, aumentam a eficiência, não necessitam de equipamentos ou treinamentos complexos.

Qual o seu vislumbre para o betão do futuro, ainda mais com a sustentabilidade?
Acho que o futuro do betão é brilhante. Na mitologia hindu, há o deus Shiva que controla os venenos. No mito, as pessoas começaram a vasculhar o oceano em busca de algo valioso e liberaram muito veneno. Só que ninguém estava disposto a fazer nada para consertar isso. Shiva sorveu o veneno com um canudo e a única conseqüência foi que sua pele ganhou a cor azul. No livro, faço essa comparação entre Shiva e o betão. Acho que esse material pode beber todos os tipos de veneno. Onde colocaríamos um bilhão de toneladas de cinzas volantes, que contêm elementos tóxicos? Se entrarem em contato com lagos, lagoas e aterros haverá contaminação dos lençóis freáticos com arsênico, chumbo. Se forem utilizadas no betão, não haverá problemas. O betão é uma das maiores indústrias, produz muito e é a única com capacidade para absorver essa enorme quantidade de resíduo. Só que ela precisa reduzir a emissão de carbono. A sociedade vai continuar consumindo grandes quantidades de betão, para infra-estrutura, para edificações, renovação. Só que é preciso utilizá-lo de forma eficiente, é preciso controlar o consumo e reduzir o consumo de clínquer para diminuir a emissão de carbono.